segunda-feira, 21 de setembro de 2020

Processo: 0003387-07.2020.8.19.0070

 Estado do Rio de Janeiro Poder Judiciário

Tribunal de Justiça

Comarca de São Francisco do Itabapoana

Cartório da Vara Única

Praça dos Três Poderes, s/n Rod. Afonso CelsoCEP: 28230-000 - Centro - São Francisco de Itabapoana - RJ e-mail:

sfivuni@tjrj.jus.br

Fls.

Processo: 0003387-07.2020.8.19.0070

Processo Eletrônico

Classe/Assunto: Procedimento Comum - Anulação/nulidade de Ato Administrativo / Atos

Administrativos

Autor: PEDRO JORGE CHERENE JUNIOR

Réu: CAMARA MUNICIPAL DE SÃO FRANCISCO DE ITABAPOANA

Réu: MUNICÍPIO DE SÃO FRANCISCO DE ITABAPOANA

___________________________________________________________

Nesta data, faço os autos conclusos ao MM. Dr. Juiz

Marcio Roberto da Costa

Em 21/09/2020

Decisão

Vistos.

Trata-se de pedido de tutela provisória em ação anulatória de ato administrativo proposta por

PEDRO JORGE CHERENE JÚNIOR em face da CÂMARA MUNICIPAL DE SÃO FRANCISCO DE

ITABAPOANA e MUNICÍPIO DE SÃO FRANCISCO DE ITABAPOANA/RJ.

Sustenta que o autor que exerceu o cargo de prefeito de São Francisco de Itabapoana de 2013 a

2016, sendo que as contas relativas ao último ano do mandato receberam parecer contrário à sua

aprovação pelo TCE/RJ em razão de supostas irregularidades praticadas.

Alega que no decorrer do processo administrativo pelo TCE/RJ n° 205.750-5/2017, incorreram em

vícios que acarretaram a nulidade absoluta do Parecer Prévio exarado através da sentença

proferida nos autos nº 0248880-07.2018.8.19.0001.

Aduz, ainda, cerceamento de defesa no processo legislativo, requerendo, outrossim, tutela

antecipada para suspender os efeitos do Decreto da Câmara dos Vereadores nº 032/2018, que

reprovou suas contas.

Com a inicial vieram os documentos de fls. 32/348

Despacho determinando a citação do réu à fl. 361.

Intimados os réus, se manifestaram sobre o pedido de tutela provisória às fls. 378/385 e 429/437.

É o relato do necessário. Decido.

Primeiramente, há que se ressaltar que o contraditório é princípio constitucional, conforme artigo

5º, inciso LV da CF/88.

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Nos termos do art. 300, do Código de Processo Civil, para a concessão da tutela de urgência é

necessário a presença de elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano

ou o risco ao resultado útil do processo.

Em cognição sumária da situação retratada nos autos, denota-se ser de rigor o deferimento do

pleito a título de tutela provisória pretendido, dada à existência dos pressupostos necessários.

A parte autora aduz mácula à imagem e honra objetiva, bem como sua inelegibilidade, ambas

causadas pela edição do Decreto da Câmara dos Vereadores n° 032/2018.

Assevera o autor a ocorrência de cinco irregularidades que ensejaram a ausência de possibilidade

do exercício do contraditório e da ampla defesa, quais sejam:"(i) pela anulação do Parecer Prévio

exarado pelo Tribunal de Contas, o qual foi o único fundamento para sua confecção, não havendo

outra motivação; (ii) pelas obscuridades na condução e concatenação dos atos do Processo

político/administrativo acima apontadas, tais como a falta de publicização da data da prática dos

atos/reuniões das comissões; (iii) do não atendimento aos requerimentos do Autor, alguns voltados

à remessa de ofício ao Poder Executivo para a juntada de cópia dos processos que podem

comprovar as fraudes cometidas no preenchimento da Deliberação TCE 248; (iv) do não

atendimento ao pedido de oportunização de bem defender-se com apresentação de alegações

finais requeridas; (v) da não comprovação da sessão realizada em 27 de dezembro de 2018, em

virtude da ausência da ata votada e aprovada, por ao menos 2/3 dos membros da Casa de Leis,

conforme determina trecho do Regimento Interno" (transcrição da exordial).

Inicialmente destaco que a Constituição Federal não exclui o Poder Judiciário da apreciação de

atos administrativos através de controle externo referente aos aspectos de legalidade, sem,

contudo, adentrar no mérito administrativo, sob pena de ofensa ao princípio constitucional da

separação de poderes, a teor do art. 2º, da Constituição Federal.

No tocante a fiscalização da administração pública em sua parte contábil financeira e orçamentária

compreende contas de duas naturezas: as de gestão e as de governo. As contas de governo

objetivam demonstrar o cumprimento dos planos orçamentários, bem como os programas de

governo que visam demonstrar a atuação do chefe do executivo como agente político. Em relação

as contas de gestão estão ligadas a ordenação de despesas que são mais específicas, ou seja,

não globais e ligadas as despesas de cada ato administrativo do ente público quanto à legalidade,

legitimidade e economicidade.

As decisões de natureza e regime jurídico diversos podem sujeitar os prefeitos: a) o julgamento

técnico-administrativo das "contas de gestão", a cargo do tribunal de contas, e b) o julgamento

político-administrativo das "contas de governo", sob responsabilidade da Câmara de Vereadores, à

luz do parecer emitido pelo tribunal de contas.

O parecer técnico elaborado pelo Tribunal de Contas tem natureza meramente opinativa,

competindo exclusivamente à Câmara de Vereadores o julgamento das contas anuais do Chefe do

Poder Executivo local.

Neste diapasão, segundo entendimento do Supremo Tribunal Federal, o parecer técnico do

Tribunal de Contas só deixará de prevalecer quando a decisão dos membros da Câmara Municipal

for de maioria de dois terços. Conclui-se, então, que é imprescindível a presença de parecer

técnico do Tribunal de contas para julgamento de contas do Executivo pelo Legislativo local.

Desta feita, deve-se esclarecer que o julgamento das contas do Prefeito pela Câmara Municipal é

ato administrativo de caráter discricionário e, por essa razão, os limites de atuação do Poder

Judiciário são estreitos quantos aos requisitos formais do ato, sendo vedada a apreciação do

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mérito, respeitando-se o juízo de oportunidade e conveniência exarados pela Câmara.

No caso sub judice o autor ingressou com ação anulatória em face do Estado do Rio de Janeiro

(processo n° 00248880-07.2018.8.19.0001), onde obteve sentença parcialmente favorável para

declarar a nulidade do julgamento das contas de 2016 apresentadas pelo autor perante TCE/RJ.

De fato, conforme narrado pela parte ré, a sentença declaratória proferida no referido feito está

sujeita ao reexame necessário que possui natureza jurídica de condição de eficácia da sentença

conforme preceitua o verbete 423 do STF e art. 496 do CPC, todavia, no entendimento deste juízo,

o título judicial é elemento suficiente da probabilidade do direito invocado pelo autor, para

suspender os efeitos do Decreto expedido pela Câmara de Vereadores, que fincou como

motivação exclusivamente o parecer do TCE que teve o julgamento anulado em primeiro grau de

jurisdição.

Conforme acima descrito o parecer do Tribunal de Contas é instrumento opinativo, todavia,

imprescindível para o julgamento pela Câmara de Vereadores das contas do prefeito.

No caso, encontra-se sub judice a validade do julgamento do qual resultou o parecer do TCE,

cujas razões são o único motivo do Decreto Legislativo n. 32/2018, conforme index 45, desta feita,

ainda que pendente de confirmação a sentença e mesmo com a presunção de legitimidade do ato

administrativo, inegável que a motivação do ato legislativo resta abalada e indefinida, notadamente

no tocante a sua existência, em razão de formalidade, não cabendo ao Juízo adentrar ao mérito.

Neste passo há de se sopesar se o Decreto Legislativo de desaprovação de contas fincado

exclusivamente em parecer do TCE, expedido em julgamento anulado por sentença, pendente de

recurso, é ato capaz de produzir efeitos aptos a restringir direitos fundamentais do autor, dentre

eles, direitos políticos/capacidade eleitoral passiva. Tenho que não.

Isso porque, adentrando na segurança jurídica ventilada pela parte ré, no caso, diante das

circunstâncias do caso tenho que se deve prestigiar a manutenção de direito fundamental do autor

até deslinde da controvérsia, qual seja, o julgamento do recurso/remessa necessária dos autos n.

00248880-07.2018.8.19.0001.

Em suma, a evidencia da probabilidade do direito encontra respaldo na manutenção de direito

fundamental do autor diante de anulação em primeira instância de julgamento de parecer do TCE,

que determina nova sessão, pendente de recurso, parecer este, utilizado como única motivação

para edição de Decreto Legislativo sub judice.

No tocante as alegações de cerceamento de defesa por indeferimento de diligências, em juízo de

cognição sumária, não vislumbro sua ocorrência, eis que do que consta foi notificado para

apresentação de defesa, o que aconteceu, e se manifestou por diversas oportunidades no curso

do processo político/administrativo, não sendo o indeferimento de provas razão para a vício no

procedimento, na medida em que não cabe ao Judiciário análise do mérito de decisões desta

natureza, fundamentada no parecer de fls. 235/246, conforme supramencionado.

Passo a análise da alegação de não comprovação da sessão realizada em 27/12/2018.

Dos documentos acostados à inicial consta parecer da Comissão Permanente de Finanças de

Orçamento e Finanças com a menção da necessidade de ser submetido ao Plenário para votação

da prestação de contas, referente ao ano de 2016, houve convocação para sessão em 19/12/2018

(index 257), com requerimento de apresentação de defesa oral (index 259) e protocolo de petição

pelo autor de não ocorrência da sessão no horário designado, conforme fl. 260.

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A sustentação produzida pelo autor é ausência de comprovação da realização da sessão realizada

no dia 27 de dezembro do ano de 2018, o que restou incontroverso ante a ausência de

impugnação específica para fins de análise do pleito liminar pelas partes rés, que também não

acostaram aos autos o documento, qual seja, a ata da aludida sessão onde houve a votação que

resultou na reprovação das contas do exercício 2016.

Com efeito, imprescindível a demonstração da existência da sessão de julgamento das contas que

deu ensejo ao Decreto Legislativo sub judice, o que é necessário através da apresentação da ata

da sessão.

O documento em questão é obrigatório, conforme expressamente previsto no art. 144, do

Regimento Interno da Câmara Municipal, para registrar os trabalhos e demonstrar o cumprimento

das disposições legais, dentre elas, o acatamento do parecer do TCE e particularmente no que

concerne a votação de contas do município, que deverá ser de forma nominal, conforme art. 177,

inciso III do referido regimento interno.

Neste passo, ausente a demonstração da ata da sessão de 27/12/2017, através de documento

idôneo e obrigatório, conforme impõe o art. 144, do Regimento Interno da Câmara Municipal, o

Decreto Legislativo está revestido de vício formal passível de nulidade absoluta.

Impende destacar ainda que a ré Câmara Municipal, em sua manifestação do index 378/384, em

três oportunidades, inclusive com destaque, aduziu que o julgamento das contas se deu em

28/12/2018, ou seja, um dia após a data para qual foi convocado o autor através de publicação no

Diário Oficial de 19/12/2019, que consta convocação para sessão extraordinária para o dia 27 de

dezembro de 2018, às 10h (index 257), mesma data e horário constante de notificação pessoal

direcionada ao autor de index 256.

Malgrado tenha alegado julgamento no dia seguinte a data da convocação, também não acostou

aos autos a ré a ata da respectiva sessão, tampouco nova convocação e notificação do autor,

mesmo com sucessivos pedidos formulados de apresentação de defesa oral no ato do julgamento.

Neste contexto, se assim o foi, julgamento em dia diverso do convocado, evidente e flagrante o

cerceamento de defesa eis que há documentos nos autos em que o autor expressamente requer

apresentação de defesa oral e compareceu no dia e horário designado sem realização do ato,

conforme index 259/260.

É certo que o julgamento pela Câmara de Vereadores tem natureza política, todavia a deliberação

constitui a fase final de processo administrativo que deve, portanto, observar as diretrizes do artigo

5º, inciso LV, da Constituição Federal, que assegura aos litigantes, em processo judicial ou

administrativo o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes, caso

contrário, eivado de vício suficiente para ensejar nulidade.

No mesmo sentido cabe ressaltar entendimento do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de

Janeiro e do Supremo Tribunal Federal:

PRESTAÇÃO DE CONTAS PELO PREFEITO. JULGAMENTO PELA CÂMARA LEGISLATIVA

MUNICIPAL. PROCESSO ADMINISTRATIVO. NECESSIDADE DE OBSERVÂNCIA DO

CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA. Ação de nulidade de Decreto expedido pela Câmara

Municipal rejeitando as contas prestadas por Prefeito. Arguição de inobservância do princípio

constitucional do contraditório. A controvérsia há de ser analisada à luz da natureza jurídica do

procedimento de controle externo realizado pelo Poder Legislativo, tendo por objeto a gestão de

recursos públicos pelo Poder Executivo. Trata-se de procedimento administrativo de julgamento

das contas sob os aspectos da legalidade, legitimidade e economicidade, o que torna inafastável a

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garantia constitucional da ampla defesa, cuja inobservância impõe a anulação do processo.

Manutenção da sentença de procedência. Improvimento dos recursos.

EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. PREFEITO MUNICIPAL.

CONTAS REJEITADAS PELA CÂMARA MUNICIPAL. DIREITO AO CONTRADITÓRIO E À AMPLA

DEFESA. PRECEDENTES. 1. É pacífica a jurisprudência desta nossa Casa de Justiça no sentido

de que é de ser assegurado a ex-prefeito o direito de defesa quando da deliberação da Câmara

Municipal sobre suas contas. 2. Agravo regimental desprovido (RE 414908 AgR, Relator: Min.

AYRES BRITTO, Segunda Turma, julgado em 16/08/2011, DJe-200 DIVULG 17-10-2011 PUBLIC

18-10-2011 EMENT VOL-02609-01 PP-00054).

Desta feita e com fincas nestes argumentos presente a probabilidade do direito apta a justificar

tutela provisória requerida.

Por sua vez o perigo de dano encontra fundamento no caso em questão, vez que a manutenção

dos efeitos do decreto legislativo municipal restringe direitos fundamentais do autor, dentre eles,

impõe possível inelegibilidade, que macula a sua capacidade eleitoral passiva.

Ante o exposto, presentes os requisitos autorizadores, DEFIRO a tutela de urgência, para o fim de

SUSPENDER os efeitos do Decreto Legislativo nº 032/2018 que reprovou as contas do município

de São Francisco de Itabapoana referente ao exercício de 2016.

Intimem-se.

Cientifique-se o Ministério Público.

Consigno que as considerações ora realizadas sobre as provas e alegações tiveram presente a

necessidade de apreciar o cabimento da liminar requerida, tendo sido efetuada em cognição

sumária. Por óbvio, dado o caráter da medida, algum aprofundamento na valoração e descrição

das provas é inevitável, mas a cognição é prima facie e não representa juízo definitivo sobre os

fatos, as provas e as questões de direito envolvidas, algo só viável em cognição exauriente,

especialmente após o contraditório substancial.

Citem-se os réus, pessoalmente (art. 247, III, NCPC), perante seus respectivos órgãos de

representação processual (art. 242, §3º, NCPC), para que, querendo, ofereçam contestação no

prazo de 30 dias contados da citação (arts. 335 c/c 183, ambos do NCPC);

Considerando que, pela natureza dos interesses em disputa, a autocomposição revela-se inviável

na hipótese, deixo de designar audiência de conciliação, na forma do artigo 334, §4º, II, do NCPC.

São Francisco de Itabapoana, 21/09/2020.

Marcio Roberto da Costa - Juiz em Exercício

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Autos recebidos do MM. Dr. Juiz

Marcio Roberto da Costa

Em ____/____/_____

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Código de Autenticação: 4FZQ.EKK2.GF9F.AKR2

Este código pode ser verificado em: www.tjrj.jus.br – Serviços – Validação de documentos

Øþ

110 MROBERTOCOSTA

470

MARCIO ROBERTO DA COSTA:33104 Assinado em 21/09/2020 12:54:10

Local: TJ-RJ

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